quinta-feira, 28 de novembro de 2019




Bem do Rio': no Dia da Consciência Negra, empreendedoras contam histórias de negócios de sucesso

A designer de sapatos de luxo Izabella Suzart, a maquiadora especialista em pele negra Mônica Reis, e a dona da primeira loja de bonecas negras do Brasil, Jaciana Melquiades, falam sobre suas trajetórias.

Por Elisa Soupin e Jorge Soares, G1 Rio
20/11/2019 06h00  Atualizado há 3 horas




Bem do Rio: Especial Consciência Negra
Uma designer de sapatos de luxo nascida em Madureira, a dona de uma loja de bonecas negras de Belford Roxo, e uma maquiadora cria de Olaria, que entrega bem mais que maquiagem em seus pincéis. Três mulheres negras, que criam, vivem e empreendem no Rio de Janeiro e, nesse Dia da Consciência Negra, dividem suas histórias. As três trabalham muito, mas são muito prósperas

De acordo com dados do Sebrae, as três fazem parte do total de 404 mil mulheres negras donas de negócios no estado do Rio de Janeiro. Dentro do total de mulheres empreendedoras, as mulheres negras são 49% no estado, segundo o estudo com dados do primeiro trimestre de 2019.



Jaciana é dona da primeira loja de bonecas negras do país e tem o sonho de produzir bonecas no estilo Barbie negras no Brasil — Foto: Jorge Soares


A fantástica fábrica de bonecas negras

Jaciana Melquíades, de 36 anos, nasceu e cresceu em Belford Roxo, na Baixada Fluminense e, quando criança, teve só duas bonecas. E uma relação bem complicada com a que mais gostava: uma Barbie.

"Era meu sonho ter uma e eu ganhei da minha avó. Só que a minha relação com essa boneca era uma relação de querer ser (ela). Olhar pra ela, não me ver nela e tentar fazer coisas para ficar parecida com ela. Então eu brincava o dia inteiro com uma toalha na cabeça, fingia que era meu cabelo", conta ela.

Aos 22 anos, ela ganhou sua primeira boneca negra de seu ex-marido.

"Ele costurou junto com a mãe dele, que foi a minha primeira boneca negra. Depois a gente casou e a nossa preocupação era: que mundo a gente vai apresentar para o nosso filho quando ele nascer? A gente se preocupava muito com essas representações e eu aprendi a costurar para fazer os bonecos para ele", conta ela.

Este ano, a Era uma vez o mundo, sua loja, ganhou um espaço físico, no Centro do Rio, se tornando a primeira loja de bonecas negras do país.

Para o futuro de sua marca, Jaciana guarda dois sonhos: lançar uma boneca no estilo da Barbie e ter uma fábrica em Belford Roxo, sua cidade de origem.




Mônica dedica seu trabalho a aumentar a autoestima de mulheres negras — Foto: Cris Vicente
Maquiagem além da make

Aos 14 anos, a maquiadora especializada em pele negra Mônica Reis, hoje aos 42, nascida e criada em Olaria, viveu uma experiência que nunca mais esqueceu.

"Eu fiz um ensaio que existia na época em um estúdio e foi o meu primeiro trauma, eu saí de lá com a cara branca, parecia que tinha colocado a cara na farinha e eu ouvi que 'pessoas do meu tom de pele gostam de ficar mais claras'", diz.

Quando ela decidiu largar a carreira de 20 anos no mercado corporativo para se dedicar ao sonho de ser maquiadora, se deparou novamente com a questão da raça.

"Dou aula em Sesc, onde faço um trabalho social de empoderamento através da maquiagem para mulheres negras e periféricas e, no de Madureira, ouvi que algumas nunca usam um batom vermelho por conta do esteriótipo da 'nêga maluca'. As mulheres negras não usam por medo de parecerem 'nêgas malucas'. Eu incentivo muito que usem. A vida é muito curta pra não ter coragem de usar uma cor de batom", diz.



Izabella Aurora traz a inspiração de transitar pela cidade para seus sapatos — Foto: Gustavo Wanderley


Sapato de luxo via Madureira

Izabella Aurora, de 26 anos, trânsita pela cidade: nasceu em Madureira, mora no Méier, estudou na Puc, na Gávea e tem seu ateliê e loja de sua marca, A-Aurora, em Botafogo.
Como moradora da Zona Norte, fazia uma longa viagem diária até a faculdade particular mais cara da cidade todos os dias quando era estudante.

"O Rio de Janeiro geograficamente já é segregador. Você demora duas horas pra chegar na Gávea. É muito diferente de quem mora no Leblon, desce, pega o carro e entra no estacionamento. Tem um choque de ver um outro mundo, e estudar lá não me fazia pertencer aquele mundo. Acho que o pulo do gato é entender que você precisa passar por determinadas estruturas para chegar a certos lugares. Ser negro no Brasil é ter essas estratégias de sobrevivência", diz ela.

A faculdade, aliada a uma intercâmbio em Barcelona e à inspiração nos avós, alfaiate e costureira, fizeram Izabella se descobrir uma apaixonada por sapatos. Os de sua marca são usados por muitas famosas e todos têm a confecção inteiramente artesanal.

Ser carioca e circular tanto pelo Rio acaba refletido em sua criação.

"Minha última coleção de chama 'Margem' justamente porque ela traz esse luxo, esse poder, de um lugar que ninguém dá nada, um subúrbio de onde ninguém está esperando um luxo ou uma potência ou essa humanização da mulher negra líder".